Os chás chineses, desde a Dinastia Ming, são divididos em 6 grandes famílias – verdes, amarelos, brancos, oolongs, pretos (que os chineses chamam de vermelho) e escuros (chamados por eles de pretos). Esta classificação decorre de diferenças entre as etapas básicas de processamento pelas quais as folhas frescas, recém colhidas, devem passar até transformarem-se no produto final.
Os chás Pu’er são geralmente colocados na família dos chás escuros, cuja marca principal é o processo de pós-fermentação (“pós”, por que é um processo que se inicia após o chá já ser um produto estável e potencialmente pronto para o consumo). Antes deste processo se iniciar, os chás Pu’er passam por etapas básicas que se assemelham bastantes àquelas usadas no processamento de chás verdes (interrupção da oxidação com o Sha Qing) e brancos (secagem final ao sol).
Mao Cha sendo seco ao sol em Jinuo, Xishuangbanna
Há, ademais, dois grandes tipos de chás Pu’er: os Sheng Pu (sh́ēng = 生 = cru/verde); e os Shu Pu (shú = 熟 = cozido/maduro). Estes tipos se diferenciam basicamente pelo fato da pós fermentação dos Sheng Pu ocorrer de forma natural, geralmente após as folhas de chá serem prensadas em formas diversas, e se dar numa escala de tempo mais longa, de anos e décadas. As qualidades sensoriais e funcionais deste tipo de Pu’er se transformam lentamente e de forma espontânea. Os Shu Pu, por sua vez, lançam mão de uma técnica chamada de Wo Dui, que consiste em empilhar grandes quantidades de chá já finalizado e cobrir tal pilha com panos de algodão umedecidos. Este processo ativa de forma intensa a atividade dos microrganismos presentes na superfície das folhas e a fermentação das mesmas atinge níveis bastante avançados em questão não de anos ou décadas, mas de semanas.
Camelia sinensis var. assamica de 400+ anos em Xishuangbanna. Os melhores Sheng Pu são feitos de folhas de árvores anciãs.
Chen Zong Mao, uma das maiores autoridades em chás chineses e cultura chinesa do chá complementa a definição dos chás escuros como sendo chás intencionalmente pós-fermentados. Este elemento de intencionalidade é a chave para meu argumento de que os Pu’er Sheng devem ser considerados a sétima família de chás chineses.
A despeito de dois dos historicamente principais mercados consumidores de chás Pu’er Sheng, Hong Kong e Taiwan, terem consumido estes chás já bastante fermentados durante séculos, esta fermentação não era intencionalmente provocada pelos produtores. Ela ocorria, acidentalmente, pelas intempéries às quais os chás eram submetidos durante os longos e demorados trajetos que ligavam a região produtora de Xishuangbanna e os portos asiáticos. No lombo de mulas e embrulhados em cascas de bambu, estes chás eram expostos à chuva, sol e altas temperaturas, fermentando ao longo do transporte muito como um Shu Pu é fermentado hoje em dia pela técnica do Wo Dui. A chave, contudo, é que isso era um “acidente” algo que ocorria por acaso e sem controle. Foi apenas no século XX, com a introdução de modais de transporte mais ágeis como linhas férreas e o consequente encurtamento no tempo de viagem, que os dois pólos da relação comercial descobriram que os produtos que estavam vendendo e comprando não eram iguais. Os produtores em Yunnan colocavam numa das extremidades das rotas um chá fresco, leve e vivaz e os compradores recebiam chás de folhas escuras, sopas quase pretas e corpos e sabores mais amaciados.
Em suma, não era a ideia dos produtores do sudoeste chinês (e sudeste asiático em geral) produzir chás com o intuito de fermentá-los depois de prontos. Não era e ainda não é. Produtores e consumidores dos melhores Pu’er em Xishuangbanna e outras regiões próximas preferem consumir seus chás frescos, após um breve período de descanso, em forma de folhas soltas, chamadas de Mao Cha.
Mao Cha em Gaiwan pronto para ser preparado. Hekai, Xishaungbanna, Yunnan.
Olhar para os chás brancos nos ajuda a entender também por que os Sheng Pu não devem ser considerados chás escuros, mesmo depois de já bastante fermentados. Chás brancos, sabe-se, envelhecem bem, transformando suas qualidades sensoriais e funcionais de forma interessante com os anos. Nem por isso, contudo, chás brancos mais envelhecidos (ou produzidos com o intuito de envelheceram naturalmente) são classificados como outra família de chás. Continuam sendo chás brancos.
Assim, proponho que Sheng Pu’er devam ser considerados como a sétima família de chás chineses. Uma família marcada por etapas básicas de processamento presentes em chás verdes e em chás brancos, mas combinadas de uma forma única, produzindo um produto também distinto daqueles dois, e na qual a falta de intencionalidade no processo de fermentação o diferencia também dos chás escuros, entre eles os próprios Shu Pu’s.